Sucata do setor aéreo dificulta modernização de aeroportos
Em terminais por todo o país, aviões sem portas, turbinas e até sem nariz enferrujam a céu aberto. A frota inclui desde 737s da Boeing no Rio de Janeiro até cargueiros turboélice C-47 da Douglas, dos tempos da Segunda Guerra Mundial, na fronteiriça Tabatinga, AM. Este está parado lá há 16 anos.
É um ferro-velho da turbulenta história do setor aéreo nacional. Concordatas ao longo de décadas deixaram centenas de aviões num limbo jurídico, junto com dezenas de aviões menores capturados de traficantes de drogas.
Os aviões ficam enferrujando enquanto os tribunais do país ponderam o que fazer com eles, o que pode demorar dez anos ou mais. Uma companhia aérea que parou de voar, a TransBrasil, quebrou em 2001.
Os ferros-velhos de aviões estão se tornando um problema olímpico. Alguns estão impedindo expansões de terminais para abrigar os turistas para a Copa e a Olimpíada.
Cinco aviões enferrujados estão impedindo as obras para dobrar o tamanho do terminal de Manaus, que deve abrigar jogos da Copa. Em Brasília, os Boeings ficam na área para a qual está planejado um novo terminal.
"Tenho coçado minha cabeça perguntando para onde posso levar" os aviões, diz Antônio Silveira, gerente do aeroporto Juscelino Kubitschek.
Alguns aeroportos brasileiros passaram a lavar os aviões indesejados para que os passageiros pensem que só estão aguardando para decolar.
Aviões estão se decompondo não muito longe da torre de controle de várias cidades latino-americanas. Na região, ainda pobre, aeronaves velhas são poupadas para aproveitamento das peças. Mas o Brasil se destaca por seu enorme tamanho e o número de aviões envelhecidos que impedem suas aspirações à modernidade aeronáutica.
Durante anos, controladores de tráfego aéreo em Brasília reclamaram por estarem perdendo contato visual com aviões pequenos que chegavam à pista, onde um apodrecido Boeing 767 da TransBrasil e outros jatos bloqueavam sua visão. Finalmente, funcionários mudaram os aviões de lugar.
Em São Paulo, boa parte do aeroporto de Congonhas é uma cidade fantasma de jatos dilapidados estacionados entre hangares vazios, armazéns e até um prédio de escritórios de seis andares, todos no limbo desde a quebra da Vasp SA, em 2005.
Os responsáveis pelo aeroporto querem usar o espaço para novos portões que aliviem o congestionamento e atrasos crônicos do terminal. Mas não podem encostar a mão nos velhos aviões da Vasp enquanto a concordata estiver em tramitação.
Quem está tentando resolver a situação é Marlos Melek, um juiz federal de 36 anos de idade que passa seus dias investigando corrupção de funcionários judiciais de instâncias inferiores. No ano passado, ele propôs expandir seu mandado para incluir a retirada dos aviões de atoleiros legais, e ajudar a vendê-los para criar mais espaço nos aeroportos.
Um ano mais tarde, o programa chamado Espaço Livre Aeroportos conseguiu remover 14 aviões. Vários outros devem sair este mês.
O processo é lento porque o magistrado não tem autoridade real. Seu mandado é para tentar convencer juízes de concordata, credores, agências governamentais e autoridades de aviação de que todos têm a ganhar em deixar os aviões com ele.
Melek é um ávido piloto, e gostar de aviões ajuda sua causa. Numa recente visita a um representante de aeroportos, Melek quebrou o gelo mostrando fotos de aviões armazenadas em seu iPhone. Então, lançou seu discurso sobre limpar a sucata do volátil passado do Brasil. Já se passou muito tempo, mas agora, diz Melek, o esporte fez da eficiência dos aeroportos uma prioridade. "O pessoal acha que é sobre a Copa do Mundo", diz ele, acrescentando: "Eu nem gosto de futebol".
Em 2006, Melek tentou, mas não conseguiu, resgatar um punhado de aviões comerciais que estavam estacionados fazia cinco anos, desde a concordata da TransBrasil. Ele propôs que os jatos fossem alugados e a receita usada para pagar credores. A ideia foi descartada por um juiz do caso.
Em vez disso, os aviões apodreceram sob o clima tropical. Hoje, muitos valem menos por quilo do que latas de cerveja vazia, estima Melek. "A burocracia brasileira matou esses aviões", diz.
Melek não quer que a burocracia mate de novo. Por exemplo, ele pessoalmente recolhe aviões confiscados em ações contra o antitráfico, já que pode levar semanas para contratar pilotos profissionais para isso. Estar presente ajuda a evitar recursos por parte de advogados de defesa. Como Melek é um juiz, ele pode rejeitar qualquer objeção na hora, diz ele.
Em janeiro, Melek foi a uma remota fazenda na fronteira do Amazonas para pegar um turboélice Cessna 206 supostamente usado para transportar cocaína. A visita de surpresa a uma fazenda que se suspeita pertencer a um traficante pode ser algo perigoso, então Melek foi com três policiais federais fortemente armados e carregou, ele mesmo, uma pistola.
O dono do Cessna já estava na cadeia. Mas sua esposa e funcionários estavam lá. "A gente queria o elemento surpresa, assim eles não iam ter tempo para estragar o avião, mas com isso nossa chegada foi muito tensa", diz ele.
Melek entrega aviões suspeitos de pertencer ao tráfico para autoridades que precisam deles para chegar a áreas sem acesso rodoviário. Mas primeiro Melek cola um adesivo com as iniciais da Corregedoria Nacional de Justiça, do Conselho Nacional de Justiça, da qual ele é juiz auxiliar, no leme dos aviões e tira fotos de sua captura para mandar por email aos amigos.
Por enquanto, o setor aéreo está aplaudindo. Quando Melek obteve sinal verde para desmantelar três 737s que estavam apodrecendo no Galeão, a firma de manutenção de aviões TAP M&E Brasil SA pagou a conta. Os esqueléticos 737s que estavam apodrecendo perto da oficina da TAP nos últimos sete anos estavam prejudicando a imagem da empresa, disse seu diretor-presidente, Nestor Koch.
Mas dar adeus a aviões pode ter um amargor, também. Josafá Cândido, um veterano da Vasp que cuida da cidade fantasma em Congonhas, diz que ficou triste quando viu uma máquina gigante de destruição de aviões encomendada por Melek reduzir três 737s a pilhas de sucata. "Há histórias de vidas nesses aviões", disse Cândido.
Autor: John Lyons | The Wall Street Journal, de Brasília
Fonte: Valor Econômico